16/02/2015

Texto | O Mistério dos três irmãos - Capítulo quatro

Edgard

            Os cavalos do estábulo estavam inquietos quando Edgard levantou as calças. Ainda estava meio úmido das intimidades da criada da família. O jovem ajeitou os cabelos enquanto a mulher o olhava furtivamente entre o feno como se ansiasse por uma segunda dose de prazer.
            – Devo me apressar para o jantar, Ernesta, querida – disse o filho do meio do Sr. Jones. – Papai não tolera atrasos... Oh, não, por favor, não me olhe dessa maneira. Nós não temos tempo para fazer outra vez.  
            – Não quer mais um pouco disso? Ernesta abriu as pernas sutilmente revelando suas intimidades para Edgard.
            Edgard riu e enfiou a camisa.
            – Os homens da capital nunca me resistiram – reclamou Ernesta. – Talvez eu esteja perdendo o meu toque.
            – Os homens da capital não são um Jones – Edgard disse beijando-a novamente vestindo um sorriso contagiante. Ele deixou uma moeda para a criada e se dirigiu para fora do Estábulo. Ajeitou melhor a roupa quando viu Margaret benzer a mureta da casa. A governanta não podia nem sonhar o que estava acontecendo no Estábulo.
            Edgard evitou a porta de entrada e resolveu ir para o quarto usando uma das portas laterais da propriedade. Sua vida era repleta de regras e costumes que ele não seguia, porém, mesmo assim, não podia mostrar a ninguém quem ele realmente era. E os que sabiam de suas atividades simplesmente não podiam acusá-lo. Seu nome “Jones” o livraria de qualquer advertência ou calúnia de uma pessoa com menos prestígio.
            Enquanto subia as escadas apressado, Edgard pensou na mulher da floresta. Ela era diferente de tudo o que ele já tinha visto em toda a sua vida. Nem mesmo Ernesta, que sempre dizia ter vindo da Capital, era como ela. Ele precisava encontrá-la outra vez. Porém ele tinha o receio de que isso seria muito difícil de acontecer de novo. Já fazia quase um mês e a mulher não aparecera mais; se quer deu as caras em parte alguma da cidade. Mas Edgard tentaria mais uma vez.
            Em seu quarto, na ala sul da grande mansão, Edgard descobriu o lençol do quadro que tinha feito da mulher da floresta. A pintura adornava uma sala sombria, porém luxuosa. O quarto de Edgard era decorado com móveis de madeira e cortinas vermelhas, o que na opinião de Margaret, era a cor usada por muitas prostitutas e adoradoras do Diabo.
            Ele olhou o rosto ruborizado no espelho do canto e achou melhor lavar o rosto, que ainda denunciava sua pequena diversão proibida com Ernesta. Então, após enxugar a face molhada, seus olhos encararam mais uma vez o olhar penetrante da pintura. O melhor trabalho da sua vida, pois ele conseguira retratar perfeitamente o mistério que o afligira ao admirar aquela mulher da floresta. E ao fazê-lo, de repente, Edgard fora acometido pela lembrança de quase um mês atrás.

Floresta, quatro semanas antes.
            Fábian, Edgard e Isack aventuravam-se no bosque. O sol estava começando a se por e Fábian riscava alguns fósforos para tentar acender a tocha. Seu pai havia se ausentado da cidade para resolver assuntos particulares e os três resolveram fugir de Margaret para se banhar no rio.
            Eles agiam como três cúmplices quando se tratava de burlar as leis da governanta. Mesmo que Isack e Edgard se mostrassem um tanto desobedientes para com o irmão mais velho, ainda sim os três possuíam uma amizade profunda. O Sr. Jones sempre dizia que a família era um pilar muito importante da sociedade. E que a deles somente herdou todo o respeito e influência na cidade por causa da união, sempre presente, em seu meio. Os três irmãos entendiam isso.
            – Consegui acender – Fábian falou enquanto a luz da tocha iluminava o corpo de Edgard. Ele colocou a tocha em um buraco que cavou no chão e sentou ao lado do irmão. Isack, o mais novo, ainda nadava feliz no lago.
            – Quando eu tinha a idade dele eu também não pensava em outra coisa – dizia Edgard. – Eu só queria nadar e nadar, o mais tempo que eu conseguisse.
            Fábian virou-se para o irmão e comentou:
            – Como se você fosse muito mais velho do que ele.
            – Digamos que eu já tenho outras prioridades – Edgard disse em um sorriso travesso.
            – Do que você está falando? – Fábian olhou-o desconfiado.
            Edgard levantou-se e foi procurar suas roupas que estavam emboladas juntamente com a dos seus irmãos. Fábian o acompanhou e tocou em suas costas.
            – Você não continua com aquela história da empregada, não é? Sabe que ela não é...
            – Você parece a Margaret falando, sabia? – Edgard desvencilhou-se do irmão. O jovem pegou suas calças e virou-se para encarar Fábian. – Deveria usá-lo, sabia? – Ele apontou para a nudez do irmão. – Ernesta realmente sabe como fazer um homem se sentir...
            – Chega! – Fábian cortou-o. – Vista-se, Edgard. Nós vamos embora. – Isack, venha! Já é hora de voltar.
            Isack saiu do lago sem entender o motivo da saída repentina e veio andando em direção aos irmãos.
            – Eu não entendo você, Fábian – Edgard dobrava as mangas de seu blusão. – Você é o primogênito, o que levará o nome da família por onde quer que vá. Seu aniversário se aproxima e você não quer nem mesmo aproveitar isso.
            Fábian começou a se vestir também.
            – Sei muito bem quem sou, o que devo e o que não devo, meu irmão. E agora já chega. Isack está vindo e não quero que ele ouça esse tipo de conversa.
            – Eu vou dar uma volta – disse Edgard precipitando-se para dentro da floresta.
            Isack chegou e suas roupas já estavam na mão do irmão mais velho enquanto ele perguntava o motivo de irem embora tão cedo.
            – Edgard, a floresta é perigosa durante a noite, você sabe muito bem disso. Além do mais, já estamos indo.
            – Eu sei o caminho de volta... – a voz de Edgard perdeu-se no meio da mata.
            Ele andou rápido pela floresta para despistar os dois irmãos antes que Fábian resolvesse ir atrás dele. A luz da tocha ia ficando para trás e Edgard movia-se em direção a montanha que circundava a floresta antiga. Margaret sempre os alertara de que aquele lugar era perigoso, porém Edgard jamais acreditou em suas supertições. Além do mais, o perigo era um risco que ele correria com prazer em troca de sua liberdade. Afinal, Edgard nunca gostou das leis que o cercavam.
            O filho do meio do senhor Jones aproximou-se do pé da montanha e olhou para trás. Ele se encontrou sozinho no meio do mato e o único barulho que se ouvia era o zumbir de insetos misturado com as folhas secas quebrando-se aos seus pés. Ele olhou para o céu e o mesmo encontrava-se limpo e cheio de estrelas. Resolveu andar mais um pouco e avistou uma luz do outro lado da montanha. Conforme foi se aproximando também percebeu que uma fumaça com cheiro de alguma coisa assando perfumava o derredor.
            Edgard não conseguia imaginar do que se tratava, mas provavelmente deveriam ser caçadores das redondezas assando um porco do mato ou um coelho. Ele andou mais um pouco em direção ao lugar e ouviu som de tambores. Com certeza não eram caçadores. Mas a sua curiosidade o dominou e o fez se aproximar mais.
            Esgueirando-se por detrás de uma árvore ele viu pessoas. Todas eram mulheres. E todas estavam nuas. Aquilo fez Edgard estremecer um pouco. Eram lindas, jovens e com os corpos estruturais. Estavam de mãos dadas em volta de uma grande fogueira formando um círculo.
            Edgard observou aquilo com total atenção. As mulheres o estavam provocando um calor tremendo, mesmo com as roupas úmidas do lago. Ele sentiu uma pequena ereção quando todas elas começavam a balançar os seus corpos em uma espécie de dança. Então ele viu outra pessoa sair de dentro de uma cabana improvisada. Não conseguiu ver quem era, pois estava completamente coberta por um roupão vermelho com capuz.
            As mulheres que tocavam os tambores pararam e fez-se silêncio no local. Edgard não ousou se mexer, para evitar que as folhas secas se quebrassem em seus pés e denunciassem sua posição. Observou tudo de detrás da árvore enquanto as mulheres desenhavam um círculo aberto com a posição que assumiam, agora ao lado da fogueira. A pessoa vestida de vermelho andou até o círculo e entrou no meio das outras, que se ajoelharam imediatamente. Elas fecharam o círculo em volta da nova integrante e Edgard prendeu a respiração quando avistou o que havia por debaixo daquele roupão quando a mulher o retirou.
            Ela era simplesmente a mulher mais linda que Edgard já havia visto em toda a sua vida. Ela também estava nua e seus seios adornados com tinta vermelha. Os cabelos estavam soltos e eram cumpridos até a cintura, e o rosto parecia ser o mesmo de Afrodite, a deusa mitológica da beleza.
            Ela levantou uma das mãos para o céu e com a outra colocou o dedo indicador na frente do lábio, como um gesto de silêncio. Então pronunciou com uma linda voz:
            – Que a mãe terra, a mãe lua e as deusas da floresta recebam o nosso sacrifício.
            Naquele momento Edgard não conseguiu tirar os olhos da mulher, nem ao menos para ver o que algumas outras correram para pegar. Somente quando ele escutou os gritos, seus olhos se moveram.
            Era um homem. Estava amarado e amordaçado, porém, mesmo assim, os seus gritos conseguiram ultrapassar a fronha lhe tapava a boca. Ele estava em cima de uma espécie de carrinho preso a uma estaca de madeira. Mesmo com as cordas, também podia se notar que estava nu. Edgard não o conhecia, deveria ser alguém de outra cidade. Atrás dele, outras mulheres vinham trazendo alguns animais assados.
            Um temor terrível passou pela espinha de Edgard. Elas iriam sacrificar aquele homem? Então elas começaram a pronunciar:
            – Que o nosso poder cresça e o nosso círculo prospere. Agradecemos pela nova estação!
            Ao repetirem isso algumas vezes, uma das mulheres que trouxeram o homem, apresentou um punhal vermelho a mais linda de todas, que Edgard concluíra ser a líder. Ela aproximou-se do homem e Edgard não quis mais ver o que fariam. De repente ele desatou-se a correr na direção contrária daquele lugar. Infelizmente o estardalhaço produzido pelo seu desespero quase o fizeram cair, mas ele ouviu as vozes se afastarem e o barulho dos tambores recomeçaram.
            Ele afastou-se o máximo que pode e outra luz o iluminou na floresta. Edgard estava lívido quando se virou e viu seus irmãos, agora completamente vestidos e prontos para voltarem para casa.
            – Onde você foi? – perguntou Fábian, carrancudo.
            Edgard não conseguiu responder, mas não atreveu-se a dizer o que presenciara. Apenas passou o braço por entre o ombro do seu irmão mais velho e disse:
            – Vamos sair daqui.

            Ao retornar do súbito que tinha lhe dado, Edgard deu mais uma olhada no quadro e prometeu a si mesmo que procuraria aquela mulher de novo. Só que deva vez, não deixaria que o medo lhe ferisse a razão. Ele estava disposto a tudo para vê-la novamente.
            Logo então, cobriu o quadro novamente, ajeitou os cabelos cortados, e desceu para encontrar sua família no jantar; tendo em mente que quando a refeição acabasse ele voltaria à floresta naquela noite.

15/02/2015

Texto | O Mistério dos três irmãos - Capítulo três

Margaret

            A cozinha estava com cheiro de cebolas e alho dourando no óleo quente. Felizmente as empregadas não teriam mais problemas com o jantar e o Sr. Jones ficaria satisfeito com o resultado. A cozinha estava repleta de pessoas trabalhando e aparentemente tudo estava em ordem. Só faltava mais uma coisa, benzer a entrada da casa.
            – Estela? – Margaret chamou a cozinheira que cortava algumas batatas.
            – Sim? – Uma mulher morena envolta em alguns panos ao redor da cabeça a atendeu.
            – Eu não me demoro. Por favor, mantenha a cozinha em ordem e siga estritamente as instruções que lhe dei para que esteja tudo perfeito hoje à noite.
            – É hora de benzer as entradas? – Estela franziu o cenho com uma sutil expressão de escárnio.
            Margaret crispou os lábios enrugados e apertou o terço dentro do bolso do vestido com mais força. Ela sabia que Estela viera de uma família que não acreditava na verdade divina, ou pelo menos não acreditava como se devia acreditar.
            – Sim – a governanta virou-se novamente para a cozinheira. – Se considera uma mulher religiosa, Estela?
            A cozinheira continuava a cortar batatas quando respondeu.
            – Eu acredito sim, em algo.
            – E no que acredita? Margaret fuzilava-a com os olhos azuis por baixo dos óculos meia lua.
            – Talvez eu nunca tenha contado a minha história a senhora, – Estela olhava profundamente os cortes perfeitos que fazia nas batatas – eu vim de uma família bastante tradicional, madame. Embora humildes, minha mãe costumava me levar em uma capela no interior da cidade. Até que um dia resolveu que era perda de tempo.
            Margaret comprimiu dolorosamente as mãos em seu terço. Seus ossos velhos doíam com o esforço, mas ela não podia suportar tamanha blasfêmia.
            – Eu não a julgo – continuou Estela. – Nosso pai foi o culpado do desvio de mamãe. Bebia tanto que chegava em casa como um porco velho e só sabia gritar e bater em todas nós. Acho que, na verdade, mamãe cansou de tudo isso. Viu que a religião não ajudaria a mudar quem o meu pai era. E eu e minhas irmãs tínhamos que fingir que éramos uma família feliz enquanto toda a noite minha mãe era espancada e estuprada pelo próprio marido. Felizmente nós, um dia, conhecemos uma senhora em uma feira. O nome dela era Úrsula, e sem ninguém contar, revelou tudo o que acontecia com a minha mãe e sobre o nosso sofrimento. Ela nos apresentou as artes ocultas e conseguimos nos livrar do meu pai.
            – Bruxaria, você se refere? – perguntou Margaret.
            Estela sorriu e colocou as batatas recém-descascadas em uma tigela.
            – Se é assim que vocês chamam... Sim, pode ser considerado bruxaria. O fato é que é apenas um nome.
            – Venha comigo, Estela – Margaret convidou a cozinheira. – Talvez seja bom que me ajude a benzer os limites da propriedade. Quem sabe Deus não tenha misericórdia de sua alma.  
            – Sra Margaret, eu creio que não seja uma boa ideia deixar a cozinha agora. Estou bastante atarefada aqui. Ela mostrou as pilhas de batatas para cortar. – O aniversário do primogênito do Sr. Jones vai nos custar muito trabalho para o jantar de hoje à noite, mesmo o jovem o tendo comemorado com todo vigor ontem. Sabe como são essas famílias ricas, não é mesmo? Dias e mais dias de celebração.
            Margaret crispou novamente os lábios ossudos e se retirou da presença de Estela. Cruzou o hall de entrada da casa e se dirigiu aos limites da mansão Jones. Uma mureta marcava até onde se estendia o raio da casa e uma bacia deixada pelo padre Harris jazia em um canto, cheia de água benta.
            Mesmo sendo bem velha, Margaret ainda tinha uma disposição incrível para andar por todos os cantos da sombria mansão Jones. Ela pegou uma caneca cheia de água da bacia e começou a passar nas laterais da mureta. A lua cheia iluminava os seus cabelos brancos enquanto ela implorava a Deus para que nada de mal pudesse entrar naquele lugar. E como já não bastasse os demônios da noite serem um problema, ainda existiam pessoas que se prestavam a adorar ao Diabo.

Texto | O mistério dos três irmãos - Capítulo dois

Isack
            A noite estava fria e clara. Isack sempre gostara da lua cheia. Ele a fitava por horas antes de dormir. Margaret sempre dizia que a lua cheia era ruim, que coisas sombrias costumavam a aparecer naquele período lunar e que não era prudente deixar de rezar ou cercar a casa com água benta. Isack, mesmo em seus quatorze anos de idade, conseguia entender que certas histórias que Margaret contava não faziam nenhum sentido, porém ele gostava de ouvi-las e usar a sua imaginação.
            – É nisso o que dá não querer comer direito. Falava Margaret sentada em uma velha cadeira de balanço enquanto tricotava algum tipo de toca com lã azul. – Agora fica ai, jogado as traças olhando incansavelmente para a lua.
            O quarto de Isack não era tão grande quanto o de Fábian, mas era composto por um grande espaço de chão liso de madeira e uma cama de casal bem no meio do cômodo. Não se via muitos móveis, apenas uma mesinha de escrivaninha que ele usava para ser educado em casa. Muitas vezes pela sua governanta Margaret. Havia também um grande guarda-roupa de madeira grossa e envernizada. Mas somente isso para um quarto daquele tamanho, o deixava quase que triste. Porém uma enorme janela com vidros em forma de quadrados transparentes lhe dava uma visão perfeita da lua cheia. Havia um pequeno tapete no chão onde ele podia se sentar e apreciar toda aquela imensidão amarelada enquanto seus raios iluminavam tudo a sua volta.
            – Eu a adoro, Margaret.
            A velha senhora balançou-se mais um pouco em sua cadeira e checou alguns pontos do seu tricô. Aquele rosto mostrava bastante idade, porém Isack sabia que também mostrava experiência. Ele havia aprendido muitas coisas com Margaret. Inclusive a ama-la como uma segunda mãe, uma vez que a sua morrera lhe dando a luz. Foi Margaret quem cuidou dele desde recém-nascido. Ela o alimentou, o educou, o ensinou, o castigou. E mesmo que nesse momento ela o estivesse punindo novamente, no fundo ele sabia que tudo era para o seu próprio bem.
            – Eu já lhe falei sobre como ela foi parar lá no céu? Perguntou a governanta sobre os oculozinhos que ela usava para enxergar os pontos mais finos. – Já lhe disse a história dos dois irmãos que brigaram e Deus os condenou a um iluminar somente de dia e o outro iluminar somente à noite?
            Na verdade, Isack já tinha ouvido algo parecido, mas resolveu dizer que não somente para poder entrar de cabeça no que Margaret contaria.
            – Era uma vez, dois irmãos. Começou Margaret. – Assim como você e os seus irmãos. Eles eram fortes e vigorosos. Eles foram um dos primeiros homens a habitarem nessa terra. Oh sim. Ela balançava a cabeça para o menino. – Mas tinham um defeito. Brigavam muito entre si, não obedeciam às ordens de seus pais nem de sua governanta. Margaret procurou ressaltar. – Até que um dia, vendo toda essa desobediência, Deus os amaldiçoou e condenou que um governasse o dia e o outro governasse a noite.
            – Mas não é isso que eu aprendi com o padre Harris. Questionou o menino.
            – Ora, o padre Harris não tem permissão para contar isso a você. Rebateu a senhora idosa. – Mas sabe qual foi o pior dos castigos recebidos pelos dois irmãos? Ela levantou uma de suas sobrancelhas pintadas com lápis de olho. – Foi o de governar a noite. Afirmou Margaret com um olhar sério e minucioso para Isack.
            – Por quê? Isack levantou-se e foi se sentar aos pés da cadeira de balanço. O grande vestido de Margaret esbarrava no chão aos movimentos de balanço.
            – Por causa dos demônios da noite, meu jovem. Sussurrou a senhora. – Por causa das criaturas que vagam pela sombra sempre a espreita de alguém em que possam tragar. Por causa das bruxarias que a lua é obrigada a assistir quando os bebês são roubados de suas mães no meio da noite e sacrificados a Deuses pagãos. Por causa da maldade dos homens perversos que se transformaram em lobisomens para que sejam lembrados eternamente da sua vergonha.
            A imaginação de Isack voava para longe naquele momento. Em sua cabeça ele entrava nos bosques no meio da noite com a espingarda de seu pai, pronto para caçar qualquer criatura que o tentasse atacar.
            – Por isso a lua cheia traz maus presságios meu jovem. É exatamente quando essas coisas se fortalecem e vem nos atacar.
            Houve uma batida na porta e o Sr. Jones entrou no quarto do seu filho mais novo. Suas botas ainda estavam um pouco sujas de lama da floresta.
            – Contando histórias de terror ao garoto outra vez, Margaret? O Sr. Jones sorriu para o filho em meio à bigodeira e o chapéu de vaqueiro. – Não é nada sobre lobisomens outra vez, é?
            Isack correu para abraçar o pai enquanto dizia facialmente para que não repreendesse a governanta, afinal ele adorava ouvir suas histórias. Ele abraçou o pai e deixou com que ele desarrumasse os seus cabelos.
            – Margaret, eu quero que oriente as criadas em como preparar o javali que pegamos hoje à noite. Por favor, não as deixem fatia-lo como da ultima vez. Quero ver o meu prêmio inteiramente assado hoje.
            Margaret colocou o seu tricô no cesto e o empurrou para o canto do quarto de Isack. Seu longo vestido balançou um pouco quando ela se aproximou e fez uma reverência ao Sr. Jones.
            – Se vista Isack, hoje o jantar será soberbo. Disse o Sr. Jones ao filho.
            O Sr. Jones saiu do quarto e Isack deu uma breve olhada em sua arma que balançava sobre o molde feito especialmente para ela.
            Isack foi até seu guarda-roupa e escolheu uma roupa adequada para ocasião. Margaret sempre dizia: “Nem muito elegante, nem muito desleixado” Então ele pegou um colete juntamente com uma calça preta enquanto dava mais uma olhada na lua cheia.

09/02/2015

Texto | O Mistério dos três irmãos - Capítulo um

Fábian    
           A família Jones morava distante da cidade grande. Todos os três irmãos foram criados debaixo de um regime de autoritarismo imposto pelo pai. A lei era a única coisa que importava e ela era dividida em três itens:
            1° Obediência
            2° Sigilo
            3° Controle
            É claro que a lei também era composta por milhares de outros tópicos que nasceram na mente do Sr. Jones para poder controlar os seus filhos. Eles eram conhecidos como os garotos perfeitos, jamais se metiam em confusão, jamais eram vistos tarde da noite na rua e ninguém nunca tinha nada para falar daqueles garotos.
            Fábian Jones era o filho mais velho do Sr. Jones; ele fora designado pelo pai a assumir a responsabilidade pelos dois mais novos Edgard e Isack, cujos maiores defeitos eram não obedecer às ordens de Fábian.
            O ano era o de 1950, e a fazenda era totalmente isolada do mundo do lado de fora, nem energia elétrica existia naquele lugar.
            Havia noites em que a lua se recusava a aparecer formando sombras tão intensas que se Fábian quisesse, ele quase podia senti-las. O vento soprava nas paredes da enorme casa, que ficava a quase trinta quilômetros da única estrada da região, sussurrando coisas ininteligíveis e assustadoras sobre o mundo lá fora. Seu pai costumava dizer que eles tinham sorte por não conhecerem o que o mundo tinha a oferecer, que aquele estilo de vida era o correto e que jamais deviam se desviar dele.
            Aos redores da grande residência dos Jones, havia outras casas igualmente pacatas que abrigavam pessoas arredias e medrosas. Ninguém era muito amigo de ninguém. Aquele lugar era movido por interesses dos principais homens das famílias que se dedicavam em espalhar mitos e o terror para o povo.
            Uma noite Fábian havia tido permissão para acompanhar o seu pai em uma ida até um bar que ficava a uns bons trezentos metros da grande fazenda onde eles moravam. O Sr. Jones costumava dizer que um homem só se tornava homem de verdade depois que tomava a sua primeira cerveijada. E como aquele dia o jovem Fábian fazia dezoito anos, finalmente chegara a sua vez de mostrar a todos que ele era um verdadeiro Jones.
            Os dois, pai e filho, chegaram ao bar e sentaram em uma mesa de madeira com cadeiras um pouco rachadas e desconfortáveis também de madeira.
            O Sr. Jones tinha um bigode espesso que lhe cobria metade da boca não muito carnuda. Seu nariz torto fungava por cima do bigode e os olhos frios e negros olhavam para o rosto do seu filho mais velho. Fábian era bonito e jovem. Seus cabelos eram grandes e estavam presos por uma fita. Não havia pelos no seu rosto ainda, mas alguns pelos já começavam a nascer no seu peito, o que era um orgulho. Por isso ele fazia questão de andar com metade de sua blusa de botões aberta, para que todos pudessem ver.
            A atendente chegou perto dos rapazes e os olhava com um olhar em aprovação. Fábian reparou que ela era bonita, porém muito mais velha do que ele. Usava um vestido colado ao corpo e estava pintada com batom e sombras nos olhos.
            – Posso ser útil aos cavalheiros? – perguntou a atendente.
            Fábian olhou-a de cima em baixo e sorriu.
            – Duas cervejas, por favor – pediu o Sr. Jones sem tirar os olhos do filho.
            A garçonete afastou-se e foi em direção ao balcão encher duas canecas em um barril que ficava em cima da estrutura de madeira. Fábian reparou em como os seus quadris balançavam enquanto ela andava e ele gostava daquilo. Nunca tinha tido contato com o sexo feminino daquela maneira. Somente com a governanta da casa, a senhorita Margaret. Uma velha ranzinza que fora deixada de herança juntamente com a habitação deixada pelo seu avô.
            – Seja discreto – advertiu o Sr. Jones ao filho quando o mesmo não conseguia tirar os olhos da garçonete. – Não há somente nós nesse bar, filho.
            Fábian endireitou-se a mesa e procurou afastar os pensamentos tortuosos que invadiam a sua mente naquele momento. Mas afinal, ele estava se tornando um homem. Já era hora de deixar toda aquela coisa fluir. Ele olhou para os lados e avistou homens bebendo e fumando em mesas separadas. Nenhum parecia estar acompanhado de parentes, de forma que ele chegou à conclusão que a maioria estava ali traindo as suas esposas com as “garçonetes” que se prestavam a serviços extras.
            A garçonete voltou com um sorriso discreto no rosto e serviu a cerveja aos dois. Fábian mais uma vez não resistiu o impulso de olhá-la. Mas dessa vez seus olhos pousaram estranhamente em uma veia que pulsava no pescoço da mulher.
            – Beba – seu pai indicou a caneca na mesa.
            O líquido estava fresco e espumoso. Parecia bastante apetitoso com toda a sede que Fábian estava sentindo. Ele empurrou a cerveja para dentro tão rapidamente que o copo ficou vazio na primeira golada.
            – E então, como se sente? – perguntou o Sr. Jones.
            Fábian sentiu que por mais que o líquido fosse gelado, ele esquentou sua garganta levemente o fazendo corar.
            – Eu quero mais – pediu o garoto.
            – Vá um pouco mais devagar dessa vez – sugeriu o seu pai. – Não queremos nos embebedar logo de cara. Ele estendeu a mão e chamou novamente a garçonete.
            A mulher se aproximou igualmente e pegou a caneca vazia de Fábian. Logo depois ela voltava trazendo-a cheia de cerveja outra vez. Quando ela pousou a caneca na mesa, Fábian viu que ela fizera de propósito uma manobra de forma que o decote do seu vestido caísse um pouco e seus seios ficassem quase a mostra. Então ela levantou-se novamente e endireitou-se dando as costas para o rapaz.
            – Bonita a garçonete, não? – perguntou o Sr. Jones ao filho.
            Fábian assentiu com a cabeça e seus olhos azuis se perderam no corpo da garçonete. A respiração dele se intensificou um pouco e ele não conseguiu esconder a sua excitação.
            – Eu posso tê-la esta noite, meu pai? – perguntou o garoto.
            Sr. Jones coçou o bigode e fixou os olhos em seu filho. Fábian sabia que o seu pai o estava estudando. Como se tudo aquilo fosse um teste.
            – Mas é claro, meu filho. Que tipo de pai seria eu se fosse negar a você um presente como esse no seu décimo oitavo aniversário?
            Fábian sorriu e bebeu um novo gole de sua cerveja. Como de costume na cidade, o aniversário de dezoito anos de um homem era comemorado com tudo aquilo que o garoto quisesse fazer. Naquele dia, nada era proibido, nada era pecado. Exceto...
            – Olá Jones – cumprimentou um velho senhor de cabelos brancos e barba. – A noticia corre pela cidade, ham? – o velho deu palmadinhas no ombro do jovem Fábian e sorriu com os dentes cariados a mostra. O velho cheirava a álcool e tinha uma barriga grande de chope.
            Sr. Jones levantou-se do seu lugar e apertou as mãos do velho.
            – Ah, senhor Trevino, é um prazer que tenha se lembrado do aniversário do meu primogênito. O senhor sabe como é, não é?
            – Eu também já fiz dezoito anos, meu jovem. Falou o velho. – Acredite, quando eu tinha a sua idade me diverti a baldes nesse dia. Aproveite. Afinal não são todos os dias que se completam dezoito anos.
            Fábian assentiu e continuou bebendo em sua cadeira.
            O senhor Trevino saiu do bar e foi em direção à rua escura da cidadezinha. Vendo aquilo, Fábian pensou nas histórias que o seu pai contava. Não fosse a cidade ser rodeada de histórias sobrenaturais e lendas que costumavam tirar o sono de criancinhas durante a noite, aquela era uma noite de lua cheia. E a lua cheia trazia maus presságios.
            – Antes de a noite acabar, ela será sua. Falou o senhor Jones olhando para a garçonete enquanto ela servia as outras pessoas no bar.
            Fábian começou ficar um pouco tonto com a bebida. Ele sabia que não estava mais sóbrio quando tentou se levantar e sentiu as suas pernas o obedecerem como se estivessem em câmera lenta.
            Ele foi em direção ao banheiro da birosca e sentia o seu corpo arder um pouco. Seria aquele efeito de quase cinco copos de cerveja quando nunca se tinha tomado um porre antes? Ele urinou no banheiro que cheirava a esgoto e começou a ouvir a voz de todos que estavam dentro do bar. Como se a maioria das vozes tivesse aumentado um décimo de altura dentro de sua cabeça.
            – Pai? Ele chamou quando ouviu alguém entrar no banheiro também.
            O homem apenas esperou sentado em uma pequena pia enquanto Fábian abotoava as calças e tentava se virar para ver quem era.
            – Quem está ai? Perguntou o garoto para o vulto coberto de preto.
            Ninguém respondeu. A visão de Fábian estava turva por causa de toda aquela bebida. Seria possível que ele estivesse tendo alucinações? Ele esfregou os olhos e voltou à visão para o mesmo lugar. Porém nem mesmo resquícios de que o vulto estivera mesmo ali ele encontrou.
            O garoto saiu do banheiro e voltou para a mesa junto de seu pai. Porém o Sr. Jones não estava mais lá. O lugar estava vazio e a mesa já estava limpa.
            – Ei? Ele chamou a garçonete. – Onde é que está o meu pai?
            – Está aqui senhor. Falou a garçonete chamando o jovem Fábian para uma porta que ficava nos fundos do bar. – É só o senhor me acompanhar.
            O garoto lembrou-se da promessa de seu pai e imaginou o que lhe aguardava dentro daquele quarto. O rosto da garçonete confirmou as suas suspeitas quando ele chegou mais perto e a mesma o olhava com certa malícia.
             A mulher puxou uma pequena cortina que separava o quarto do bar e Fábian se viu em um pequeno vestíbulo com uma cama e muitas almofadas cor de carmim. Também havia uma poltrona com apoio para os pés que foi onde ele se sentou a princípio. A tontura da cerveja começava a ficar um pouco mais forte, mas era aliviada por uma gostosa massagem que a garçonete começou a fazer em seus ombros.
            – Isso. Ele conseguiu sussurrar de olhos fechados enquanto as mãos da mulher deslizavam por entre os seus ombros. Porém não eram somente as mãos da mulher que o garoto sentia. A mulher estava bem perto dele. Os seus seios encostavam-se às costas de Fábian juntamente com suas mãos enquanto faziam movimentos leves e relaxantes.
            Fábian sentiu a mulher lhe abrir a blusa, botão por botão. Ele imaginou o quanto ela deveria ter ficado surpresa com sua definição e peitos cabeludos. Sentiu-se orgulhoso quando ouviu o suspiro da mulher. Tentou abrir os olhos para vê-la, mas era melhor mantê-los fechados. Tudo estava rodando.
            Um cheiro doce invadiu as suas narinas quando a mulher andou para frente dele e começou a beijar o seu pescoço. Ele sentiu vontade de chegar mais perto daquele cheiro, quase como se aquilo estivesse dizendo a ele que o experimentasse. Então a mulher afastou-se de perto do seu nariz descendo lentamente com a língua por todo o seu peito nu.
            Fábian estava completamente acometido pelo prazer. Porém aquele cheiro novamente o incomodou. Ele tentou abrir os olhos novamente, mas não conseguiu mantê-los por muito tempo. Ele percebeu que o cheiro agora vinha de todo o corpo da garçonete. Não só de seu pescoço onde ele havia visto aquela veia pulsando fortemente bombeando litros de sangue, mas de toda a parte.
            A mulher desceu mais um pouco o tocando em suas partes íntimas, porém ele segurou a sua mão para beijá-la. Foi aí então que tudo aconteceu.
            Uma dor cortante acometeu todos os seus dentes o fazendo ter que segurar a própria boca. Ele sentiu os seus caninos pontiagudos de forma a cortarem a sua própria língua ao passarem por eles.
            – O senhor está bem? Perguntou a mulher. Fábian sentiu os seus dedos tocarem a sua face então a dor amenizou. Somente ela, somente aquele toque tinha o poder de fazer tudo acabar. E ele vinha acompanhado daquele cheiro delicioso e doce que emanava por entre os poros dela. Quase como uma droga que viciava em apenas uma tragada.
            – Agora estou. Respondeu o garoto enquanto beijava as mãos da garçonete. Ela sorriu e se aproximou mais de Fábian sentando no seu colo. O cheiro lhe invadia como água da chuva sobre uma superfície esburacada.
            Ela tentou o beijar na boca, mas Fábian não lhe deu espaço. Ele estava mais interessado nas mãos da mulher. Especialmente em seu pulso onde ele quase podia ouvir o barulho do seu coração batendo e de seu sangue espalhando-se por todo o seu corpo.
            Então estar perto do corpo da mulher passou a não ser mais a única necessidade de Fábian. Ele precisava de mais. Algo quase como um fome tomou conta dele. De repente o topôr causado pela cerveja já não mais o afetava e ele conseguiu enxergar perfeitamente tudo o que estava acontecendo. A visão lhe chegou por partes, mas em escalas separadas onde veias pulsavam sobre a pele e ele quase podia sentir o gosto do sangue quente em sua boca. Ele sentiu seus olhos lhe revelando exatamente onde morder. “Morder” Ele pensou novamente. O que lhe estava acontecendo? Mas a próxima visão o fez esquecer e pensar somente no gosto que aquilo lhe proporcionaria.
            De repente ele estava com os lábios no pescoço da mulher enquanto ela se entregava quase que loucamente para ele. Ele perfurou a pele devagar com os dentes que se revelaram através de sua boca e pela primeira vez ele sentiu o gosto do sangue. Era bom, quente e acobreado. Quase como ferrugem, mas com um tom adocicado que provocava um frenesi total nele. A cada pulsada do coração da garçonete, ele agradecia abrindo mais a boca e deixando o sangue espirar em sua língua.
            Depois de alguns segundos ele sentiu o corpo da mulher amolecer e seu coração vacilar um pouco. Mas ele não podia parar diante de toda aquela vontade. Era quase como pedir a um leão faminto que deixe de comer a sua presa. O fluxo sanguíneo tornou-se menor e menos quente, vindo de dentro da mulher. Até que a única coisa que lhe restou foi um corpo pálido e sem vida em seus braços.
            O jovem Fábian levantou-se da cadeira deixando o corpo da garçonete cair no chão fazendo um baque surdo. Ela estava mole, seus olhos fechados e uma marca manchava a pele branca de seu pescoço, bem perto de sua garganta.
            De repente o monstro que Fábian havia se tornado invadiu a sua mente. Ele podia sentir a vida da mulher correr também em suas veias e o gosto da sua última refeição ainda adoçava os seus lábios. Ele lambeu a ponta dos mesmos e caiu em si. Ele precisava sair dali antes que alguém o descobrisse.
            Ele abotoou a sua blusa e passou as mãos no cabelo. Não tinha feito muita sujeira, por isso ele tinha certeza que ninguém desconfiaria de nada. O garoto colocou o corpo sem vida da mulher em cima da cama e o cobriu com alguns lençóis. Um pequeno espelho jazia em cima da mesa e quando Fábian passou por ele nada ele viu. Seria algum tipo de ilusão de ótica? Ele passou a ponta dos lençóis em sua boca para limpar os vestígios do que tinha acontecido e saiu do local.
            O bar estava com alguns fregueses ainda. Alguns o olharam, outros nem se deram a sua saída do vestíbulo. Provavelmente aquilo deveria acontecer muitas vezes por noite. E os que lhe espreitaram a saída, deviam estar apenas a esperar pela sua vez de se divertir com a garçonete. Mas eles não teriam a mesma sorte, a mulher estava morta.
            – Meu senhor. Cumprimentou outra atendente morena e vestida quase que da mesma forma que a outra garçonete.
            Fábian sentiu que a vontade de beijá-la e sentir o gosto do seu sangue o preencheu. Por um breve momento ele quase se deixou levar convidando-a a ter com ele no outro vestíbulo atrás do balcão, mas ele precisava ser inteligente. Precisava sair dali antes que dessem por falta de uma das atendentes. Então ele saiu pela porta da birosca deixando a lua cheia banhar a sua face e dizer-lhe maus presságios. Nada mais importava, ele havia se tornado um homem. Ou quase isso.
           
            Fábian acordou no dia seguinte com seu irmão Isack lhe balançando freneticamente.
            – Acorde Fábian. Acorde.
            A ausência de luz não fez os seus olhos doerem. As cortinas do seu quarto estavam fechadas e sua cama parecia confortavelmente mais atraente do que a voz do seu irmão.
            – O que você quer? Ele perguntou ao seu irmão.
            – O bar em que você estava ontem a noite foi queimado esta manhã. Falou Isack. – Margaret disse que foi por causa da lua cheia.
            – Não ouça as histórias de Margaret. Falou Fábian. – Sabe como ela gosta de te assustar.
            Ele levantou-se da cama e sentou a sua beirada. Sua cabeça doía e ele percebia que já era noite quando ele se levantou.
            – Que horas são? Ele perguntou ao irmão.
            – Já estamos na décima sétima hora do dia de hoje, Fábian. Você dormiu o dia inteiro. Papai disse que foi por causa da bebedeira de ontem à noite. O olhar de seu irmão Isack era sonhador. Talvez estivesse pensando em como seria quando chegasse a sua vez de se tornar um homem.
            Então tudo o que Fabian havia feito noite passada lhe voltou à memória. Ele lembrou-se da prostituta, das canecas de cerveja e principalmente do sangue que ele havia experimentado. Ele se assustou um pouco. Será que o tinham descoberto?
            Ele vestiu-se e começou a perguntar seu irmão sobre o que acontecera com o bar.
            – Margaret disse que foi tudo obra de bruxaria. Disse que uma mulher morreu ontem à noite. Ela disse que foi um demônio da lua cheia.
            – Eu não quero saber das supertições de Margaret, Isack. O que papai falou de tudo isso? Ele está em casa?
            – Eu não sei. Falou Isack. – Estou de castigo. Margaret não me deixa sair do quarto. Ela cisma que eu tenho que comer todo o mingau que ela faz, mas aquilo não é mingau. Parece estrume de porco.
            Fábian balançou a cabeça, um pouco preocupado e desceu as escadas de madeira para o andar de baixo. Felizmente não encontrou ninguém em seu caminho. Quando chegou a enorme sala de estar, encontrou seu outro irmão Edgard ajudando Margaret a acender a lareira.
            – Edgard? Chamou Fábian.
            Seu irmão o olhou em aprovação e sorriu. Edgard não gostava do estilo de todos os rapazes da cidade de deixar os cabelos grandes, o garoto insistia para que o aparassem a cada dois meses. Hoje excepcionalmente parecia um dia que ele havia o feito.
            – E então, ainda está extasiado de ontem à noite? Edgard sorria para o irmão mais velho. O garoto tinha um pedaço de ferro nas mãos que eles usavam para mexer no fogo.
            Margaret crispou os lábios em um bico enrugado quando ouviu os irmãos conversarem sobre as concupiscências da noite passada. Fábian sabia que sua governanta viera de uma época em que tudo aquilo era considerado pecado e punível com castigos.
            – Não estou aqui para ouvir sobre as suas safadezas, senhor Fábian. Disse Margaret. – Se me deem licença, preciso preparar o seu banho. A velhota se retirou deixando cheiro de alho no ar. Fábian imaginou que aquilo era original de seus cabelos brancos que viviam presos em um coque.
            – Não ligue para ela. Disse Edgard. – Só está abalada com a tragédia que aconteceu a uma das garçonetes. Ele aproximou-se de Fábian com um sorriso excitado. – Conte-me como foi a sua primeira noite como homem de verdade. Pediu o irmão.
            Fábian sorriu, mas ficou um pouco sem graça em dizer-lhe o que realmente aconteceu. Seria prudente ele contar ao seu irmão que o assassino da prostituta era ele? Que ele havia sugado todo o sangue do corpo da mulher?
            – Onde está o papai? Ele perguntou. – Preciso ver o papai antes de lhe falar.
            Edgard balançou a cabeça mostrando-se insatisfeito.
            – Papai saiu em uma cavalgada noturna pela floresta. Ele quer caçar javalis. Disse que hoje à noite o jantar será especial.
            Fábian levantou-se e foi em direção a grande janela que ficava no canto oeste da ampla sala de estar. A luz da lua invadia a casa e os cachorros latiam do lado de fora. Aquele era o segundo dia de lua cheia e Fábian só tinha certeza de uma coisa. Ele estava faminto. Mas não por comida. Por sangue.
© BLOG do Stark 2015. Todos os direitos reservados.
Criado por: Letícia RFgs.
Tecnologia do Blogger.
imagem-logo