Edgard
Os cavalos do
estábulo estavam inquietos quando Edgard levantou as calças. Ainda estava meio
úmido das intimidades da criada da família. O jovem ajeitou os cabelos enquanto
a mulher o olhava furtivamente entre o feno como se ansiasse por uma segunda
dose de prazer.
– Devo me apressar para o jantar, Ernesta, querida –
disse o filho do meio do Sr. Jones. – Papai não tolera atrasos... Oh, não, por
favor, não me olhe dessa maneira. Nós não temos tempo para fazer outra vez.
– Não quer mais um pouco disso? Ernesta abriu as pernas
sutilmente revelando suas intimidades para Edgard.
Edgard riu e enfiou a camisa.
– Os homens da capital nunca me resistiram – reclamou
Ernesta. – Talvez eu esteja perdendo o meu toque.
– Os homens da capital não são um Jones – Edgard disse
beijando-a novamente vestindo um sorriso contagiante. Ele deixou uma moeda para
a criada e se dirigiu para fora do Estábulo. Ajeitou melhor a roupa quando viu
Margaret benzer a mureta da casa. A governanta não podia nem sonhar o que
estava acontecendo no Estábulo.
Edgard evitou a porta de entrada e resolveu ir para o
quarto usando uma das portas laterais da propriedade. Sua vida era repleta de
regras e costumes que ele não seguia, porém, mesmo assim, não podia mostrar a
ninguém quem ele realmente era. E os que sabiam de suas atividades simplesmente
não podiam acusá-lo. Seu nome “Jones” o livraria de qualquer advertência ou
calúnia de uma pessoa com menos prestígio.
Enquanto subia as escadas apressado, Edgard pensou na
mulher da floresta. Ela era diferente de tudo o que ele já tinha visto em toda
a sua vida. Nem mesmo Ernesta, que sempre dizia ter vindo da Capital, era como
ela. Ele precisava encontrá-la outra vez. Porém ele tinha o receio de que isso
seria muito difícil de acontecer de novo. Já fazia quase um mês e a mulher não
aparecera mais; se quer deu as caras em parte alguma da cidade. Mas Edgard
tentaria mais uma vez.
Em seu quarto, na ala sul da grande mansão, Edgard
descobriu o lençol do quadro que tinha feito da mulher da floresta. A pintura
adornava uma sala sombria, porém luxuosa. O quarto de Edgard era decorado com
móveis de madeira e cortinas vermelhas, o que na opinião de Margaret, era a cor
usada por muitas prostitutas e adoradoras do Diabo.
Ele olhou o rosto ruborizado no espelho do canto e achou
melhor lavar o rosto, que ainda denunciava sua pequena diversão proibida com
Ernesta. Então, após enxugar a face molhada, seus olhos encararam mais uma vez
o olhar penetrante da pintura. O melhor trabalho da sua vida, pois ele
conseguira retratar perfeitamente o mistério que o afligira ao admirar aquela
mulher da floresta. E ao fazê-lo, de repente, Edgard fora acometido pela
lembrança de quase um mês atrás.
Floresta,
quatro semanas antes.
Fábian, Edgard e
Isack aventuravam-se no bosque. O sol estava começando a se por e Fábian
riscava alguns fósforos para tentar acender a tocha. Seu pai havia se ausentado
da cidade para resolver assuntos particulares e os três resolveram fugir de
Margaret para se banhar no rio.
Eles agiam como três cúmplices quando se tratava de
burlar as leis da governanta. Mesmo que Isack e Edgard se mostrassem um tanto
desobedientes para com o irmão mais velho, ainda sim os três possuíam uma
amizade profunda. O Sr. Jones sempre dizia que a família era um pilar muito
importante da sociedade. E que a deles somente herdou todo o respeito e
influência na cidade por causa da união, sempre presente, em seu meio. Os três
irmãos entendiam isso.
– Consegui acender – Fábian falou enquanto a luz da tocha
iluminava o corpo de Edgard. Ele colocou a tocha em um buraco que cavou no chão
e sentou ao lado do irmão. Isack, o mais novo, ainda nadava feliz no lago.
– Quando eu tinha a idade dele eu também não pensava em
outra coisa – dizia Edgard. – Eu só queria nadar e nadar, o mais tempo que eu
conseguisse.
Fábian virou-se para o irmão e comentou:
– Como se você fosse muito mais velho do que ele.
– Digamos que eu já tenho outras prioridades – Edgard
disse em um sorriso travesso.
– Do que você está falando? – Fábian olhou-o desconfiado.
Edgard levantou-se e foi procurar suas roupas que estavam
emboladas juntamente com a dos seus irmãos. Fábian o acompanhou e tocou em suas
costas.
– Você não continua com aquela história da empregada, não
é? Sabe que ela não é...
– Você parece a Margaret falando, sabia? – Edgard
desvencilhou-se do irmão. O jovem pegou suas calças e virou-se para encarar
Fábian. – Deveria usá-lo, sabia? – Ele apontou para a nudez do irmão. – Ernesta
realmente sabe como fazer um homem se sentir...
– Chega! – Fábian cortou-o. – Vista-se, Edgard. Nós vamos
embora. – Isack, venha! Já é hora de voltar.
Isack saiu do lago sem entender o motivo da saída
repentina e veio andando em direção aos irmãos.
– Eu não entendo você, Fábian – Edgard dobrava as mangas
de seu blusão. – Você é o primogênito, o que levará o nome da família por onde
quer que vá. Seu aniversário se aproxima e você não quer nem mesmo aproveitar isso.
Fábian começou a se vestir também.
– Sei muito bem quem sou, o que devo e o que não devo,
meu irmão. E agora já chega. Isack está vindo e não quero que ele ouça esse
tipo de conversa.
– Eu vou dar uma volta – disse Edgard precipitando-se
para dentro da floresta.
Isack chegou e suas roupas já estavam na mão do irmão
mais velho enquanto ele perguntava o motivo de irem embora tão cedo.
– Edgard, a floresta é perigosa durante a noite, você
sabe muito bem disso. Além do mais, já estamos indo.
– Eu sei o caminho de volta... – a voz de Edgard
perdeu-se no meio da mata.
Ele andou rápido pela floresta para despistar os dois
irmãos antes que Fábian resolvesse ir atrás dele. A luz da tocha ia ficando
para trás e Edgard movia-se em direção a montanha que circundava a floresta
antiga. Margaret sempre os alertara de que aquele lugar era perigoso, porém
Edgard jamais acreditou em suas supertições. Além do mais, o perigo era um
risco que ele correria com prazer em troca de sua liberdade. Afinal, Edgard nunca
gostou das leis que o cercavam.
O filho do meio do senhor Jones aproximou-se do pé da
montanha e olhou para trás. Ele se encontrou sozinho no meio do mato e o único
barulho que se ouvia era o zumbir de insetos misturado com as folhas secas
quebrando-se aos seus pés. Ele olhou para o céu e o mesmo encontrava-se limpo e
cheio de estrelas. Resolveu andar mais um pouco e avistou uma luz do outro lado
da montanha. Conforme foi se aproximando também percebeu que uma fumaça com
cheiro de alguma coisa assando perfumava o derredor.
Edgard não conseguia imaginar do que se tratava, mas
provavelmente deveriam ser caçadores das redondezas assando um porco do mato ou
um coelho. Ele andou mais um pouco em direção ao lugar e ouviu som de tambores.
Com certeza não eram caçadores. Mas a sua curiosidade o dominou e o fez se
aproximar mais.
Esgueirando-se por detrás de uma árvore ele viu pessoas.
Todas eram mulheres. E todas estavam nuas. Aquilo fez Edgard estremecer um
pouco. Eram lindas, jovens e com os corpos estruturais. Estavam de mãos dadas
em volta de uma grande fogueira formando um círculo.
Edgard observou aquilo com total atenção. As mulheres o
estavam provocando um calor tremendo, mesmo com as roupas úmidas do lago. Ele
sentiu uma pequena ereção quando todas elas começavam a balançar os seus corpos
em uma espécie de dança. Então ele viu outra pessoa sair de dentro de uma
cabana improvisada. Não conseguiu ver quem era, pois estava completamente
coberta por um roupão vermelho com capuz.
As mulheres que tocavam os tambores pararam e fez-se
silêncio no local. Edgard não ousou se mexer, para evitar que as folhas secas
se quebrassem em seus pés e denunciassem sua posição. Observou tudo de detrás
da árvore enquanto as mulheres desenhavam um círculo aberto com a posição que
assumiam, agora ao lado da fogueira. A pessoa vestida de vermelho andou até o
círculo e entrou no meio das outras, que se ajoelharam imediatamente. Elas
fecharam o círculo em volta da nova integrante e Edgard prendeu a respiração
quando avistou o que havia por debaixo daquele roupão quando a mulher o
retirou.
Ela era simplesmente a mulher mais linda que Edgard já
havia visto em toda a sua vida. Ela também estava nua e seus seios adornados
com tinta vermelha. Os cabelos estavam soltos e eram cumpridos até a cintura, e
o rosto parecia ser o mesmo de Afrodite, a deusa mitológica da beleza.
Ela levantou uma das mãos para o céu e com a outra
colocou o dedo indicador na frente do lábio, como um gesto de silêncio. Então
pronunciou com uma linda voz:
– Que a mãe terra, a mãe lua e as deusas da floresta
recebam o nosso sacrifício.
Naquele momento Edgard não conseguiu tirar os olhos da
mulher, nem ao menos para ver o que algumas outras correram para pegar. Somente
quando ele escutou os gritos, seus olhos se moveram.
Era um homem. Estava amarado e amordaçado, porém, mesmo
assim, os seus gritos conseguiram ultrapassar a fronha lhe tapava a boca. Ele
estava em cima de uma espécie de carrinho preso a uma estaca de madeira. Mesmo
com as cordas, também podia se notar que estava nu. Edgard não o conhecia,
deveria ser alguém de outra cidade. Atrás dele, outras mulheres vinham trazendo
alguns animais assados.
Um temor terrível passou pela espinha de Edgard. Elas
iriam sacrificar aquele homem? Então elas começaram a pronunciar:
– Que o nosso poder cresça e o nosso círculo prospere.
Agradecemos pela nova estação!
Ao repetirem isso algumas vezes, uma das mulheres que
trouxeram o homem, apresentou um punhal vermelho a mais linda de todas, que
Edgard concluíra ser a líder. Ela aproximou-se do homem e Edgard não quis mais
ver o que fariam. De repente ele desatou-se a correr na direção contrária
daquele lugar. Infelizmente o estardalhaço produzido pelo seu desespero quase o
fizeram cair, mas ele ouviu as vozes se afastarem e o barulho dos tambores
recomeçaram.
Ele afastou-se o máximo que pode e outra luz o iluminou
na floresta. Edgard estava lívido quando se virou e viu seus irmãos, agora
completamente vestidos e prontos para voltarem para casa.
– Onde você foi? – perguntou Fábian, carrancudo.
Edgard não conseguiu responder, mas não atreveu-se a
dizer o que presenciara. Apenas passou o braço por entre o ombro do seu irmão
mais velho e disse:
– Vamos sair daqui.
Ao retornar do súbito que tinha lhe dado, Edgard deu mais
uma olhada no quadro e prometeu a si mesmo que procuraria aquela mulher de
novo. Só que deva vez, não deixaria que o medo lhe ferisse a razão. Ele estava
disposto a tudo para vê-la novamente.
Logo então, cobriu o quadro
novamente, ajeitou os cabelos cortados, e desceu para encontrar sua família no
jantar; tendo em mente que quando a refeição acabasse ele voltaria à floresta
naquela noite.